Ontem, 25/11/12 foi o dia Internacional Pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, dentre as inúmeras violências que são cometidas contra as mulheres está a violência obstétrica, talvez um dos maiores problemas desse tipo de violência é que, ao contrário da agressão física ou do estupro, ela é institucionalizada, praticada livremente e o pior, na maior parte das vezes sem punições para aqueles que a praticaram.
E o que é violência obstétrica?
Será que fui vitima dela? Por incrível que pareça o sistema de atendimento a
parturiente é tão mecanizado, tão alheio a própria mulher que, muitas vezes
somos vítimas, sentimos que algo não está correto, mas não conseguimos
classificar esses atos.
A informação, o empoderamento da
mulher são as principais ferramentas nessa luta, pois a violência pode ocorrer
de muitas formas, durante a pré-natal, atendimento de emergência, parto, pós
parto... O que mais choca é que algumas práticas são tão institucionalizadas
que nós nem chegamos a contestá-las, durante minha gestação passei por três
obstetras antes de chegar a minha médica.
A primeira que procurei com 8
semanas de gravidez, me olhou, perguntou a data da última menstruação, calculou
a data provável do parto e me disse, posso ficar com você porque vai nascer
entre final de maio e começo de junho, se for depois não posso pois estou de
viajem marcada, assim posso agendar sua cirurgia para a primeira semana de
junho. Saí de lá bufando de raiva, imagina, nem opção me deu, eu gestante de
apenas 8 semanas, como assim indicar uma cesárea eletiva apenas para não
atrapalhar suas férias. A segunda, com 10 semanas, realizou minha consulta em
menos de 10 minutos, não fez exame físico e não me deixou falar, falava,
falava, falava e não consegui abrir a boca. Saí de lá desanimada, e muito
preocupada em arranjar um obstetra com que eu pudesse realmente contar. Na
terceira, com 12 semanas foi pior, durante a consulta ela foi com o aparelho
ouvir os batimentos cardíacos do bebê e não conseguiu, mexeu, mexeu e nada. Daí
ela saiu da sala com cara feia e me deixou lá deitada na maca, durante o
período que fiquei lá (que para mim pareceu uma eternidade) sofri muito achando
que tinha algo errado com o bebê, do nada chega ela com uma enfermeira reclama:
“_Olha o aparelho tá quebrado eu já disse que é para...” Quando eu falei para ela que tinha
ficado assustada porque ela tinha saído da sala daquele jeito ela ainda fez
piada de mim dizendo que mãe de primeira viajem era muito exagerada. Saí de lá
muito triste e com medo de não encontrar ninguém capaz de simplesmente conduzir
uma consulta com humanidade e respeito.
Na mesma semana encontrei uma
amiga que me indicou uma obstetra e lá fui eu, o plano não cobria, mas era
minha última esperança. Durante a consulta ela sempre me pareceu competente, segura
e o melhor sempre disse que respeitaria minhas opções. A gravidez transcorreu
sem problemas, até que na 36ª semana minha bebê não tinha encaixado ainda, ela
me disse que provavelmente não iria encaixar, mas que poderíamos esperar mais.
Na 37ª semana fiz um exame de ultrassom e nele foi detectado que a frequência cardíaca
da minha bebê estava oscilante, horas normal, horas muito baixa e essa foi a
indicação para uma cesárea eletiva realizada com 38 semanas e 6 dias. Fiquei
com muito medo, pois fui informada que minha bebês estava em sofrimento e não
aguentaria o parto, então fiz o que a maioria de nós faria, confiei no médico
que me acompanhava. O dia do nascimento da minha filha não foi nem de longe o
que eu sonhava, fiquei o dia internada todo no hospital a espera da hora da
cirurgia, no momento da cirurgia eu tremia muito de medo, fui amarrada na cama,
tive enjoos e falta de ar com a anestesia. Iniciaram a cirurgia e nem me avisaram,
quando pedi para levantar por causa da falta de ar eu já estava aberta e nem
sabia, meu marido me acompanhou, mas só vi rapidamente minha filha que foi levada
para os primeiros cuidados. Foi muito frustrante não dar de mamar na hora que
ela nasceu. Ela teve certa dificuldade para respirar (talvez por causa da
cesárea eletiva) e demorou muito a vir para mim que passei a primeira noite com
minha filha ao lado, mas sem poder pegar nela.
Durante esse tempo todo algo me incomodava
muito e eu não conseguia nomear bem, mas logo depois lendo mais e me
empoderando, vi que caí no modelo do sistema, até hoje não tive coragem de ir a fundo e verificar se passei por uma cesárea ou uma desnecessária, logo eu, depois de
tantas idas e vindas, de tanto defender um parto normal. Ainda não abri a caixa
de Pandora, estou trabalhando isso e sei que na hora certa vou conseguir.
Sei que meu relato não é nem de
longe tão chocante quanto muitos outros, que tive a sorte de ter meu marido do
lado, mas mesmo assim algo me incomoda e muito. Todo o dia mulheres são
desrespeitadas, seus corpos são amarrados na sala de parto, são obrigadas a
ficar deitadas quando seria muito mais confortável sentar, andar ou agachar.
A episotomia não é normal e não é
necessária em todos os partos vaginais, porém elas são feitas sem nem comunicar
a mulher. Não são necessários soro, ocitocina, anestesia ou fórceps na maioria
dos casos, mesmo assim os médicos continuam a realizar essas práticas como se fosse
um protocolo, sem nem falar com a mulher. Amamentar e ter nossos filhos nos
braços logo após o parto são direitos nossos, a presença de um marido, amiga ou
parente também. Fora os direitos óbvios como o pré-natal e a assistência
adequada durante o parto, que ainda são negados a muitas usuárias do SUS e
também do sistema privado, pois ter um plano de saúde de nada adianta diante
desse modelo assistencial injusto que temos.
Como falei antes a informação é o
melhor remédio, então compartilho aqui o vídeo: Violência Obstétrica a Voz das
Brasileiras, documentário realizado de maneira espontânea e voluntária por:
- Bianca Zorzam, obstetriz, aluna
de mestrado do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Universidade de
São Paulo;
- Ligia MoreirasSena, bióloga,
aluna de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade
Federal de Santa Catarina, autora do blog Cientista Que Virou Mãe;
- Ana CarolinaArruda Franzon,
jornalista, aluna de mestrado do Programa de Pós Graduação em Saúde Pública da
Universidade de São Paulo e co-editora do blog Parto no Brasil;
- Kalu Brum, jornalista, doula e
co-editora do blog Mamíferas.
- Armando Rapchan, fotógrafo e
videomaker.
Assistam, informem-se,
sensibilizem-se com as histórias dessas mulheres que infelizmente estão longe
de ser exceção.
Sabrina Neves.